Reencontros, abraços e alegria de quem já não vinha ao território há alguns anos foi o que se viveu no Jardim D. José da Costa Nunes, na cerimónia de boas-vindas do VI Encontro das Comunidades Macaenses. Se há quem tenha regressado ao território pela primeira vez desde que de cá saiu, há também quem seja presença habitual no convívio que se realiza de três em três anos. As saudades de uma Macau antiga, sem “tanta gente”, prevalecem entre os macaenses, que, ainda assim, fazem questão de voltar para reavivar as memórias de tempos felizes
Catarina Pereira
Quase seis décadas depois, José Cordeiro de Araújo voltou a pisar o território onde nasceu. Foi para Portugal tinha apenas um ano e desde então nunca mais regressou. “Quando lá cheguei ninguém percebia nada do que dizia. A pessoa que cuidava de mim falava chinês e ensinou-me algumas palavras, era tudo o que sabia”, conta ao Jornal TRIBUNA DE MACAU. Hoje, já não sabe cantonês, mas a curiosidade por conhecer uma parte de si já muito distante trouxe-o até Macau.
No Jardim de Infância D. José da Costa Nunes, que acolheu os participantes do Encontro das Comunidades Macaenses para a cerimónia de boas-vindas, o ambiente é visivelmente de alegria: abraços para um lado, sorrisos para o outro e um cumprimento a quase cada passo dado. O Encontro “é muito especial para todos nós”, começa por dizer o presidente do Conselho das Comunidades Macaenses (CCM) no discurso de abertura. “O espírito macaense precisa de renascer, por isso, esperamos que este Encontro tenha muito sucesso”, prossegue Leonel Alves.
Para José Cordeiro de Araújo, que veio com a mulher e a filha de 14 anos de Portugal, este convívio tem um significado ainda maior: “O meu pai expressou de forma muito sentida o tempo que passou aqui, deixou tudo escrito. Foi uma época muito importante para ele porque tinha acabado de casar e de ter o primeiro filho”. “Estou muito feliz por me poder reencontrar com as minhas raízes”, afirma, acrescentando que a visita é sobretudo para “reencontrar lugares” dos quais o pai fala nos escritos que deixou.
O regresso, esse é quase certo. “Não podem ser passagens repentinas, têm de ser construídas, maturadas. Só assim vale a pena”, sublinha, lembrando que o amigo António Faria Fernandes – que o incentivou a inscrever-se na Casa de Macau em Portugal da qual já foi presidente – “não o deixaria” não voltar.
O momento era importante para todos aqueles que decidiram embarcar no Encontro, mas “não menos importante” era o jantar de boas-vindas. “Esperemos que tenham um bom Chá Gordo e que todos aproveitem a gastronomia macaense, que é património de Macau”, observou Leonel Alves, agradecendo depois o esforço e trabalho da organização. O local, frisou, é também “muito simbólico”.
E quem regressa ao “infantil” passados tantos anos para rever amigos e matar saudades anui. “A primeira palavra que aprendi foi precisamente aqui. Tinha quatro anos”, conta Aureliano Augusto de Assis, que veio da Austrália com a mulher, Teresa Braga de Assis.
Têm marcado presença em todos os Encontros – excepto quando a mãe de Aureliano faleceu –, mas o macaense diz, com um sorriso no rosto, já estar “muito velho” para estas andanças. Ainda assim, Aureliano Augusto de Assis considera que é um momento “importante para encontrar os amigos e recordar como era Macau antigamente”. “Agora, está completamente diferente: há tanta gente, tantos edifícios”, observa, e acrescenta: “Gostava mais daqueles tempos, uma pessoa podia andar mais livre, agora há muita pressa”.
Saiu de Macau em 1956, trabalhou 18 anos em Hong Kong e depois decidiu rumar à Austrália “a pensar no futuro das filhas”. “Em Hong Kong era preciso saber chinês e sempre as educámos em português”, explica. Diz que “parece que foi ontem”, mas “20 anos passaram e houve uma grande mudança”. “Preferia a Macau antes da transferência”, confessa.
O “saudosismo é importante” e é necessário “preservar” as “referências físicas e pessoais”, afirma Miguel de Senna Fernandes em declarações a este jornal, mas também é essencial “um espírito novo”. “Macau abre para um novo capítulo e as pessoas têm de se aperceber disso. No fundo isto é uma romagem de saudade. Macau está efectivamente diferente e há um misto de incerteza mas também de esperança”, prossegue o presidente da Associação dos Macaenses.
Miguel de Senna Fernandes prevê “um bom Encontro” a julgar pelo início da festa. “Pelas energias manifestadas – não sei se é por causa do calor ou porque estão com fome -, isto está muito animado. Creio que há condições para fazermos um Encontro bastante bom”, considera.
Irene Placé estava sentada a petiscar com os amigos. “Esta é a única oportunidade que tenho para ver as pessoas da minha mocidade, pessoas que já não vejo há séculos”, diz, bem animada. Voltar a Macau é voltar a casa? “Então não é? Assim que chegamos a Macau é logo um cheiro diferente”, responde. Membro da Casa de Macau na Austrália, Irene Placé é presença habitual nos Encontros. “Tenho vindo aos Encontros desde o tempo dos portugueses”, lembra, acrescentando que saiu do território em 1976.
“Para ser sincera, sempre que participamos achamos que pode ser a última vez. Nunca sei se vai haver próxima, sinto isso. Receio que isto deixe de existir… e depois isto já não interessa às novas gerações”, afirma. “É ou não é José?”, pergunta, em tom retórico, ao amigo que conheceu ainda em criança pelas ruas de Macau e que voltou agora a ver. “Nós somos a geração que ainda tem raízes, as memórias e o convívio. Aos novos isto não lhes diz nada”, responde Irene.
O presidente da Comissão Organizadora do Encontro das Comunidades Macaenses lembra que “é extraordinário” celebrar os 20 anos da RAEM no mesmo ano em que se realiza a sexta edição “sob a égide, patrocínio e apoio, não só financeiro, mas um apoio muito forte e solidário, cheio de boas intenções da parte da RAEM”. “É um apoio que nos alegra muito porque mostra como a RAEM leva a sério aquilo que tem vindo a dizer: que os macaenses são uma parte da comunidade, da população, das pessoas de Macau”, acrescenta José Luís Sales Marques.
As expectativas, diz, “são muito elevadas”. “O Encontro está a começar muito bem e o espírito que vejo aqui entre as pessoas é de grande alegria e de uma participação muito entusiástica”, afirma. O primeiro objectivo – o de “rever a família, reencontrar amigos e dar um grande abraço à cidade – “já começou a acontecer e a acontecer bem”, frisa.
No pátio do Jardim de Infância D. José da Costa Nunes bancos de plástico coloridos e grupos que convivem animadamente ao mesmo tempo que saboreiam os mais diversos petiscos. Lá dentro, se no início as enormes mesas estavam repletas quer de salgados, quer de doces, aos poucos, as iguarias foram começando a desaparecer. Sinal de que os macaenses aproveitaram mesmo o “Chá Gordo” que os esperava.
Quem não é de cá também vem
É açoriano e vive na Califórnia, raízes macaenses, “que saiba” não tem, mas David Vieira quis vir conhecer as gentes de Macau. “Eu e a minha esposa estamos bastante envolvidos com o Club Lusitano, temos amigos macaenses lá na nossa zona e gostamos muito de passar várias festividades com eles, como o Natal. Os macaenses que conhecemos na Califórnia são muito amáveis e simpáticos, pelo que quisemos vir conhecer o território”, afirma.
É a primeira vez que se junta ao Encontro das Comunidades Macaenses, que considera ser “muito importante por causa do intercâmbio de culturas” – “Acaba por ser muito importante para ver como os outros vivem as suas vidas e as suas culturas”, sublinha. David Vieira não é o único. Também Maria Helena Silva e Fátima Maciel vieram do Canadá para conhecer Macau. “Ouvíamos falar que tinha sido dos portugueses e quisemos conhecer. É a primeira vez que cá estamos e está a ser muito bom”, afirmam.
José Luís Sales Marques afirma que “as pessoas podem não ter nascido em Macau e não ser macaenses de raiz, mas acabam por se tornar macaenses por uma razão ou outra: ou porque estão casados ou ligados a famílias macaenses ou porque gostam da comida e da cultura”. “Há uma série de razões e todas são boas”, conclui.